sábado, janeiro 29, 2005

Vender a alma na cidade dos anjos


The difference between art and pornography is the lighting
Tony Ward


Pretendia eu rever esta noite o filme Hustler White, mas perdi o paradeiro à minha cópia em DVD, uma daqueles truculentos contratempos com que sou brindado com frequência. Conformando-me com a evidência e sem alternativa imediata que cubra a falta, resigno-me a escrevinhar alguma linhas sobre o desaparecido!

Trata-se de uma obra manifestamente underground, do realizador/fotógrafo/escritor Bruce LaBruce, de nacionalidade canadiana, do qual eu desconhecia a totalidade da sua obra e as inspirações, falha esta em certa medida compensada pela existência do seu web site, o qual é um portal para o universo criativo do realizador: www.brucelabruce.com. Visite por sua conta e risco!

O filme trata das aventuras de um prostituto na cidade dos anjos, numa esquina algures entre os sonhos de Hollywood e o inferno. Não se pode reduzir o filme atribuindo-lhe uma tipologia gay, ou porno, não - é bem mais do que isso, sendo também isso mesmo. Interessante o ambiente retratado, que me faz recordar a atmosfera sufocante dos filmes de David Lynch. Outras referências me vêem à cabeça: Genet, Fassbinder, Wharhol, etc. Ocorrem-me as cores berrantes, próprias do formato vídeo em que terá sido rodado, o som sempre ambiente, iluminação, montagem ou direcção que têm mais a ver com o cinema porno do que com formas mais convencionais e escolásticas da Sétima Arte. Paradigmática a cena num estúdio de rodagem de um filme pornográfico: o à vontade e o desprendimento na encenação ou representação do acto sexual. E também o kitsh - tão omnipresente quanto as metálicas palmeiras onde pragas de ratos nidificam - a apelar a sentimentos despretensiosos, veja-se o happy ending hollywoodesco onde o piroso se beija a si mesmo no espelho.

Curioso o efeito que sobre nós exerce a cidade retratada, num misto de atracção submissa ou de repúdio, local de quimeras, como se diz no próprio filme, onde a própria arquitectura é ela mesma como que um cenário de cartão de uma qualquer produção barata. Cidade onde os medos se multiplicam, onde a marginalidade é infinitamente mais perversa que em qualquer outro lado, onde os desejos sexuais mais bizarros têm guarida, onde a pobreza é tão revoltante quanto a riqueza se revela abjecta.

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